Ela e ele
- Liga Experimental
- 10 de out. de 2013
- 3 min de leitura
A rotina já era sua conhecida. Há seis meses era algo que fazia parte da sua vida, embora tivesse a impressão que fazia há mais tempo. Era algo que sempre procurara sem nem saber. Tudo começou quando um amigo viu a chamada pela internet. Foram os dois e mais um amigo. Foi amor à primeira vista. Era tanto afeto dentro de uma única atividade. E assim foram os meses que tinham passado.
Sai de casa, pega ônibus e depois outro. Caminha alguns quarteirões enquanto pensa em como será a tarde. No horizonte já dá para distinguir a silhueta de seu destino. Entra e começa, então, a sequência de abraços para matar a saudade de quem, às vezes, só encontra um fim de semana por mês. Os sorrisos, nem sempre correspondidos, no caminho já tão comum. O pequeno banheiro cheio de histórias, risadas, maquiagens e roupas. Estão prontos.
Era no terceiro ou no quarto andar? Engraçado como não recorda mais disso depois de tanto tempo. Na lembrança ficaram detalhes menores e mais coloridos. Eles sobem em direção ao corredor. Corredor dos terrores. Eles nunca sabem o que vão encontrar lá. Ela ainda fica tensa com o que pode haver ali. Mas sorri. Sorriem. E vão deixando aquele corredor tão triste um pouco mais alegre. Festivo, até. Nem os policiais escapam. O destino deles, no entanto, está no final do corredor.
A porta com grades não combina com eles. Mas eles sabem lidar com o que é estranho. E, antes mesmo de entrar, arrancam os primeiros sorrisos. “ Tem pizza? Que tipo de balcão é esse que não tem pizza? E sorvete?! Ahhh não, sorvete tem que ter!” Lavam a mão, entre os dedos, até o cotovelo. Já divididos, vai um trio para o começo, outro para o final. Ela vai para o final. Ela estava nervosa lá no pequeno banheiro, mas aquele círculo vermelho a transforma em uma nova pessoa. Uma pessoa cheia de cores. Quase tantas cores quanto o arco-íris.

Na porta pedem autorização para entrar. Os pequenos deixam. Olhos esbugalhados e cheios de brilho. Corre, pula, dança. Senta, levanta, senta de novo. Sorrisos e mais sorrisos. Ela é toda estrela, toda metida, jurando que as suas cores são as mais bonitas do quarto. Os pequenos começam logo a ajudar os outros a frescarem com a cara dela.
Eles têm de ir para o próximo. Os pequenos os seguem. Sobem na “cacunda” e correm junto com eles. Vira uma festa. Parece que eles e os pequenos se conhecem desde sempre. Ela pede para entrar no próximo. Recomeça a brincadeira. Ele veio até ela. Parecia nunca ter visto nada igual. Os olhos brilham, quer dançar, quer brincar e ela vai com ele. Seus companheiros e os pequenos continuam querendo derrubá-la de seu altar e ele não deixa. Defende-a até o fim. Lá quase perde a pose vendo as tentativas dele de defendê-la. Os olhos enchem de lágrima.
“Ai tô com fome! Acredita que eu nem almocei hoje?! Eles comeram minha comida todinha!!” Ela diz, ele vem. Tímido, como se escondesse algo. De repente, a pequena mão abre e tem um bombom. Bala de menta, para ser mais específica. Ela pega e toda feliz dá um beijo na pontinha do nariz dele. “Quer ser meu namorado?” Ele corre e se esconde no colo da mãe. Ela dá tchauzinho para ele de longe. A tarde acabou, ela tem de ir. Eles se despedem de todos os pequenos. Vão indo.

Passam pelo balcão. “Cadê a pizza que eu pedi? Você não fez? Olha nunca mais volto nesse balcão, nunca tem pizza!” Ela lava as mãos, entre os dedos, até o cotovelo. É a última a sair. Chega nas grades e ouve alguém correndo. É ele. Abre a mãozinha e dá um chocolate para ela. “Promete que nunca vai me esquecer?” “Nunca, nunquinha!” “Promete que vai voltar?” Não pode prometer aquilo. Dá um abraço bem forte nele e mais um beijinho na ponta do nariz. Deixa ele dar um beijo no dela. Narizes tão diferentes, amores tão iguais.
Volta ao pequeno banheiro, que está cheio de risadas, sorrisos e histórias. A maquiagem vai saindo. As roupas normais voltam. O vermelho já não está tão mais à vista como antes. Ela troca de roupa, tira a maquiagem. Vai tentando fazer tudo caber na mochila. O chocolate está ali, olhando para ela. Ela guarda o nariz vermelho. Olha um última vez para o chocolate e repete baixinho? “Nunca, nunquinha!”
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