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  • Sâmia Martins

"Eu jamais conseguiria saber tudo que eles passaram até ali e passariam nos anos que seguiram&q

Pelas palavras de uma ex-liguenta, relembramos a parceria da Liga com o Centro de Defesa da Criança e do Adolescente. Sâmia Martins é jornalista formada pela Universidade Federal do Ceará (UFC), já foi bolsista da Liga e colaborou ativamente na parceria com o Cedeca.

Ter pleno acesso à educação parece ser algo inquestionável, principalmente quando falamos de crianças e adolescentes. E quem discordaria disso? Há cerca de quatro anos, quando a Liga deu início a uma campanha com o Cedeca Ceará – uma das mais lindas e marcantes parcerias para mim –, esse e tantos outros questionamentos fervilhavam na minha cabeça de recém chegada no Curso de Jornalismo da UFC. Desde o início, cada encontro, formação e atividade foram carregados de muita informação e reflexão.

Porém, em uma certa manhã chuvosa, tudo se tornou ainda mais intenso ao entrar no Centro de Semiliberdade Mártir Francisca, na Sapiranga, pois os números viraram pessoas. Apesar da hospitalidade e baixa resistência a nossa presença, falar sobre direito à educação para os meninos privados de liberdade que ali estavam veio como um choque de realidade. O sistema socioeducativo, assim como o penal, envolve tanta desumanidade que princípios fundamentais e inquestionáveis ficam extremamente abalados. O centro recebe jovens de 12 a 21 anos mas, naquele dia, falamos principalmente para garotos recém saídos da infância, de até 16 anos, se não me falha a memória. Apesar da inquietação típica dos hormônios da adolescência, os quase 50 pares de olhos observaram com atenção ao que dizia o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Das dúvidas mais “simples” às mais específicas, aprender que estudar deve ser um direito pleno mesmo na condição de infrator foi surpreendente para muitos. Eu jamais conseguiria saber tudo que eles passaram até ali e passariam nos anos que seguiram. No entanto, não poderia nunca acreditar que mais uma violência seria justa, onde a grande maioria dos jovens infratores não recebem qualquer nível de aprendizagem porque as salas de aula se transformam em dormitórios muitas vezes insalubres. Com esse desejo sádico de punitivismo e humilhação máximos, presente em um Brasil repleto de discursos de ódio, como alcançaremos a tão sonhada ressocialização? Educação é, sim, justiça para Pedro (nome fictício) que sonhava em ser engenheiro mecânico, para João (nome fictício) que queria melhorar a situação financeira familiar e Francisco (nome fictício) que nem sequer sabia ainda o que desejar. A infância e a adolescência são fases peculiares de maior atenção na vida de todo ser humano, independente se a pessoa está em uma cobertura luxuosa de frente para a praia ou em um centro socioeducativo na periferia.

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