top of page
  • Levi Aguiar

Hospitais psiquiátricos promovem “higienização social”, diz enfermeira


A data de 18 de maio é lembrada como o Dia da Luta Antimanicomial. O movimento surgiu para combater as internações abusivas e os métodos de torturas que eram infligidos nos corpos das pessoas internadas. Em registros oficiais, o Brasil teve influência da Itália quanto à reforma psiquiátrica, no final da década de 1970. No entanto, já na década de 1940, profissionais da saúde, como Nise da Silveira, davam início à reforma psiquiátrica brasileira ao se negarem a utilizar o eletrochoque como tratamento.

A Liga entrevistou uma ativista da causa, a enfermeira Camila Moreira (foto abaixo), para discutir a importância deste movimento na luta por maior dignidade nos tratamentos ligados à saúde mental. Camila é enfermeira e trabalha no Caps I, de Tabuleiro do Norte. Ela faz parte do Fórum Cearense da Luta Antimanicomial (FCLA) e da Comissão Intersetorial de Saúde Mental do Estado (CISM). J. W. Crispim, ex-vigilante, também concedeu uma conversa. Ele passou por algumas internações e atualmente se descobriu artista através dos tratamentos alternativos.

Camila Moreira

Liga Experimental de Comunicação: O que é a luta antimanicomial e qual sua representatividade?

Camila Moreira: Trata-se de um movimento fundamentado no humanismo, na potencialidade da comunidade, no afeto, na história e na ciência. É o resgate através da arte e da cultura. A questão está em conseguirmos “descapsular” essa ideia de que o cuidado em saúde mental consiste em oferecer medicação e isolar.

Liga: Você pode comentar mais sobre esse método que se fundamenta no humanismo?

Camila: O método de humanismo consiste em investir nas potencialidades e autonomia do sujeito, colocando-o como ator do seu processo de saúde.

Liga: Qual sua motivação para o engajamento na luta antimanicomial?

Camila: Conheci a luta através de Nise da Silveira. Trago comigo os ensinamentos e a motivação dela. A certeza de que todo ser humano merece um cuidado afetuoso e livre. Ao aprofundar a pesquisa sobre os hospitais psiquiátricos, vi que a grande maioria da população que era colocada lá era negra e pobre. Ou seja, havia (e há até hoje) um projeto de higienização social e de tortura com estes. E essa indignação também está na base da minha motivação e, além de tudo, é uma luta para que haja respeito e dignidade.

Liga: Por que a Nise é importante para você?

Camila: Nise me guia e orienta de muitas maneiras. “Tome sua sensibilidade como instrumento de trabalho'', foi o que ela falou para uma pessoa quando ela disse que não sabia ser profissional de saúde convencional. Esse dizer vai diretinho na alma, arrepia e acalenta. Carrego os livros dela como bússolas.

Liga: Você pode comentar sobre a estigmatização e a discriminação reforçada pelo sistema manicomial?

Camila: Como falei anteriormente, a maioria da população que estava no manicômio era negra e pobre. Então há descaradamente o racismo e a questão da higienização social incluída. O manicômio se transformou num depósito de gente, e isso é desumano demais! Ainda hoje vejo profissionais da saúde que trazem a ideia de que para tratar transtorno mental é preciso isolar. Então é um trabalho diário para desconstruir essas crenças e dignificar o cuidado.

Liga: Qual a história por trás da data 18 de maio?

Camila: Essa data surgiu quando os profissionais de diferentes categorias, associações de usuários e familiares, instituições acadêmicas e representações políticas, se reuniram em uma conferência e questionaram o modelo clássico de assistência centrado em internações em hospitais psiquiátricos, denunciam as graves violações aos direitos das pessoas com transtornos mentais.

Eles propuseram a reorganização do modelo de atenção em saúde mental no Brasil a partir de serviços abertos, comunitários e territorializados (tendo em vista que os hospitais eram localizados afastados da cidade), buscando a garantia da cidadania de usuários e familiares, historicamente discriminados e excluídos da sociedade.

Liga: Qual a relevância dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e do Sistema Único de Saúde (SUS) nas políticas de saúde mental?

Camila: O SUS é resultado de muita luta e os CAPS são consequências disto também. São modelos substitutivos, que têm como principal objetivo a ressocialização deste usuário para a sociedade. Então há o resgate deste ser; o cuidado multidisciplinar para despertar as potencialidades e o amparo legal, onde temos tanto leis estaduais, como federais. Como, por exemplo, a Lei Paulo Delgado, nº 10.216 de 6 de abril de 2001, trata da proteção dos direitos das pessoas com transtornos mentais e redireciona o modelo de assistência.

ARTE

Camila estabeleceu uma ponte entre a Liga e J. W. Crispim. Atualmente, ele é usuário do CAPS e conta que, antes disso, chegou a passar por várias internações, perdendo inclusive sua autonomia durante esse período.

No entanto, com empolgação, seu Crispim, como é carinhosamente chamado, conta que, por meio de outras formas de tratamento, “os serviços substitutivos e os CAPS”, ele passou a ter acesso a outras práticas terapêuticas que agem com afeto, liberdade e promoção de autonomia dos usuários. Ele relata que o retorno de sua autonomia veio com o estímulo para a produção de arte. Para o ex-vigilante, a arte serve para “espantar” as crises. “Quando percebo que estou triste, quando eu estou deprimido ou com algum problema, eu uso o melhor psicotrópico que eu tenho, a arte, porque ela não deixa efeito colateral, pelo contrário, só faz bem”. Para seu Crispim, a arte é o transmissor mais eficaz de sentimentos.

Confira algumas obras:

LUTA ANTIMANICOMIAL NO CEARÁ

O Fórum Cearense da Luta Antimanicomial (FCLA) foi fundado em 15 de fevereiro de 2000. É um coletivo social formado, inicialmente, por trabalhadores da saúde mental. Atualmente, o Fórum é composto por pacientes, assistentes sociais, psicólogos, enfermeiros e historiadores.

Entre as principais atividades e articulações do Fórum está o acompanhamento da execução da Política de Saúde Mental do Estado; a fiscalização junto a órgãos de defesa dos direitos humanos; a articulação política junto aos atores governamentais para cobrar o cumprimento da efetivação das Política de Saúde Mental do Estado e no Município; a organização de encontros, audiências públicas e eventos culturais e formativos para usuários, familiares e conselheiros dos serviços de saúde mental sobre saúde mental, luta Antimanicomial e direitos humanos.

bottom of page