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  • Levi Aguiar

População em situação de rua faz Ato pela Vida em Fortaleza

O Fórum da Rua realizou, nesta quarta-feira (19), o “Ato pela vida”, no Centro de Fortaleza. A mobilização trouxe a resistência dessa população.

Pessoa em situação de rua (Fonte: shutterstock)

O ato tem o intuito de lembrar a sociedade da luta da população em situação de rua. Em 19 de agosto de 2004, seis pessoas em situação de rua foram brutalmente assassinados com golpes na cabeça enquanto dormiam na região da Praça da Sé, em São Paulo. Esse dia ficou conhecido como “Massacre da Sé”.

As circunstâncias em que vivem essas pessoas se tornaram pauta nacional novamente quando, no início do mês de julho, Bia Doria, esposa do governador de São Paulo, concedeu entrevista expondo sua opinião sobre o que ela acredita ser a realidade dessas pessoas. "Não é correto você chegar lá na rua e dar marmita... A pessoa tem que se conscientizar que ela tem que sair da rua. Porque a rua hoje é um atrativo, a pessoa gosta de ficar na rua", disparou Bia Doria.

O massacre da Sé e a fala da primeira dama ilustram, respectivamente, alguma das questões de vulnerabilidade e preconceito que atravessam as pessoas em situação de rua..

A luta é individual e coletiva

Carlos Donisete é representante do Movimento Nacional da População em Situação de Rua (MNPR/CE). Para ele, aquela data de 2004 precisa ser relembrada para que atos de violência contra a população em situação de rua não aconteçam novamente, além de pontuar questões que envolvem a luta pelo direito à vida. “Nosso movimento defende a moradia, saúde e emprego como um direito básico para a população em situação de rua”, destaca.

Donisete conta que é preciso enfrentar a ignorância, a falta de empatia, o racismo e a incapacidade política para entender que esse grupo tem seus direitos básico negados. “Comecei a perceber que tinha que fazer dois movimentos para auxiliar coletivamente na superação da situação de rua. O primeiro é o individual, que é cuidar da saúde, ter documentos, acesso à profissionalização. E o segundo é coletivo, ocupar espaços. Nada sobre nós sem nós”, relata.

Em 2014, segundo levantamento, 1.718 homens e mulheres estavam em situação de rua na Capital do Ceará, segundo o censo da população em situação de rua realizado pela Secretaria Municipal de Trabalho, Desenvolvimento Social e Combate à Fome (Setra). Em 2017, havia 247 homens e mulheres morando na Praça do Ferreira, segundo dados da Secretaria dos Direitos Humanos e Desenvolvimento Social (SDHDS).

Com a falta de dados atualizados, no ano de 2019, o Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) recomendou à prefeitura a implementação de ações necessárias para realizar um censo voltado à essa população.

Um dos meios que a população de rua tem para sair da situação de vulnerabilidade é por intermédio de duas sedes do Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro POP), localizados nos bairros Centro e Benfica, em Fortaleza. Eles são espaços de referência para quem deseja buscar orientação e serviços, como os de acesso à documentação oficial, Cadastro Único para programas sociais, realização de higiene pessoal, atividades socioeducativas e artísticas.

Segundo a Irmã Eugênia, freira da Pastoral do Povo da Rua e atuante no Centro POP, o papel da Pastoral é militar e organizar os indivíduos que moram na rua, para que eles tenham consciência e acesso aos seu direitos.

Dormir nas ruas da cidade exige estar sempre com “um olho aberto e o outro fechado”. Apresentada a Eugenia por uma pessoa atendida pelas ações da Pastoral nas praças de Fortaleza, essa definição explicita a desconfiança, o medo e a insegura que permeiam o cotidiano das pessoas em situação de rua.

Higienização

“A realidade da rua é muito dura, a violência continua através do tráfico ou das agressões policiais”, avalia a freira em referência ao caso do Natal de Luz, 2018, em que as pessoas em situação de rua denunciaram sua expulsão truculenta da Praça do Ferreira. Segundo eles, na época os agentes de segurança iam até a Praça de madrugada para expulsá-los e jogar seus pertences fora.

Ela conta que um dos principais problemas enfrentados é que as políticas e ações sociais não conseguem abranger toda a população de rua. Algumas são descontínuas: são implementadas, mas deixadas de lado quando se muda a gestão. Para a Irmã Eugênia, “só haverá o mínimo de justiça social para essas pessoas quando forem dados a elas emprego e habitação como um direito básico”.

“A arte muda vidas”

Wagner Mendonça, educador social (Fonte: Arquivo pessoal)

“Pouco tempo após uma depressão, eu passei dois anos na rua”.

É assim que Wagner Mendonça, ex-morador de rua e atual educador social, fala sobre sua vivência na rua. Segundo ele, com o tempo, ele teve que começar a catar lixo para sobreviver.

“À noite, eu saia buscando alimentação nas lixeiras. Eu tinha dificuldade de pedir dinheiro ou comida para as pessoas”. Depois de um tempo na rua, sem mudas de roupa e acesso à higiene pessoal, ele conta que passou a se sentir sujo. “Algumas pessoas viam meu estado e me ofereciam comida”, relata.

Atualmente, ele trabalha com arte e cultura nos centros sociais (Centro POP e Centro de Convivência para Pessoas em Situação de Rua). Emocionado, Wagner lista os nomes de pessoas que o ajudaram a sair daquela situação e os inspiraram a se tornar o que é hoje. “Conheci o André, do Coletivo Arruaça; o Fabrício, educador do Centro de Convivência, entre outros, eles eram minhas inspirações.”

Sua situação mudou quando foi contratado para trabalhar no Centro de Convivência, como educador social, atuando diretamente com pessoas em vulnerabilidade, auxiliando na reinserção social delas. Entre os seus trabalhos, ainda em situação de rua, ele participou de uma rádio adaptada do próprio Centro de Convivência e montou peças de teatro. “A gente contava as história das peças e deixava livre na hora de interpretar, porque muitos não podiam seguir roteiros, pois não sabiam ler”, detalha.

Mais sobre o Massacre da Sé

O massacre da praça em São Paulo, tem como principais acusados cinco policiais e um segurança. Desses acusados, apenas dois foram presos. O crime repercutiu internacionalmente e a data é marcada como o “Dia Nacional de Luta da População de Rua”, lembrado pela mobilização da própria população de rua na reivindicação de direitos sociais.

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