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  • Andréa Soares

Auxílio emergencial como seguridade social

A pandemia vem deixando marcas e ensinamentos para além das perdas humanas. Descobrimos ou despertamos para a importância de o Estado assegurar o mínimo para a sobrevivência de sua população.


A pandemia de coronavírus segue fazendo suas vítimas fatais no mundo inteiro. Segundo dados de 10 de outubro, o Brasil chegou à casa dos 5 milhões de casos de Covid-19 e passou de 150 mil mortes. Isso nos números oficiais. Basta lembrar que o estudo realizado pelo Centro de Pesquisas Epidemiológicas da Universidade Federal de Pelotas, intitulado “Evolução da Prevalência de Infecção por Covid-19 no Brasil: Estudo de Base Populacional”, apontava em junho que o número de casos de infecção era 7 vezes superior aos notificados.


Diante de tantas perdas, e depois de tantos meses, olhamos as ruas hoje e não sentimos clima de luto, lamento, comoção. Difícil chegarmos a uma conclusão sobre como nós encaramos a maior crise sanitária dos últimos 100 anos.


Talvez tenhamos realmente nos habituado à morte sempre presente nos indicadores de violência urbana, policial, cotidiana e que tem como sua maior vítima os invisíveis, os indesejados, os pretos ou “quase pretos, ou quase brancos, quase pretos de tão pobres”.


Talvez isso, talvez em nome de nosso instinto de sobrevivência tenhamos construído e se apegado a uma ilusão de que a fatalidade é fatalidade, não poderia ter sido diferente, o vírus é incontrolável e a necessidade de sustentar a família nos impulsiona para a escolha do menor risco, pelo menos optar pelo menor risco no curtíssimo prazo.


Renda mínima

A pandemia vem deixando marcas e ensinamentos para além das perdas humanas. Descobrimos ou despertamos para a importância da seguridade social, da necessidade de o Estado assegurar o mínimo para a sobrevivência de sua população. Descobrimos que a ideia de uma renda mínima, como defendida a tantos anos pelo ex-senador Eduardo Suplicy, e que víamos como uma impossibilidade total, não era tão impossível assim.


Mas também vimos crescer a aprovação do chefe do Executivo, atestando o baixo conhecimento por parte da população em geral sobre a política, o fazer político e suas tensões e disputas, depositando na figura do presidente todo e qualquer ganho social, mesmo que aquele tenha sido contrário ao embate político e às pressões sociais que forjaram esse novo e, infelizmente, temporário direito social.


Entender a importância do Auxílio Emergencial na dinâmica de aprovação do governo pode ser facilitada quando olhamos para os números. Segundo estudo recente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), nos domicílios brasileiros onde a renda é considerada muito baixa, o auxílio emergencial gerou um aumento na renda de 32%, em comparação com os ganhos habituais do trabalho.


Levantamento realizado pelo Ibope e Unicef com 1.516 pessoas ouvidas entre 3 e 18 de julho destaca que 63% dos entrevistados informaram que o rendimento familiar sofreu redução devido à pandemia. Do total, 25% revelaram uma queda de 50% no orçamento familiar.


Público da Edisca

Situação similar foi revelada em levantamento realizado pela ONG Edisca, de Fortaleza, junto às famílias atendidas pela organização social, contando com 240 respondentes no mês de agosto. Mais da metade das famílias perderam totalmente sua fonte de renda com a pandemia, sendo 32,6% das perdas decorrentes de demissão e 24,2% por impossibilidade de trabalhar devido ao isolamento social.


Outros 33% revelaram ter tido redução de salário. Em uma circunstância dramática como esta, o auxílio emergencial se firma como a possibilidade concreta de existência, mais precisamente, de subsistência. Perguntados sobre o auxílio, 39% revelaram que ele é sua única fonte de renda atualmente, e 22,3% a complementam com trabalho informal. Apenas 25% das famílias atendidas pela Edisca tem algum membro em emprego formal.


Auxiliando o governo

Esses dados apontam para o peso do auxílio emergencial no sustento das famílias que vivem em situação de pobreza e de extrema pobreza. E esse fato não pode ser negligenciado na análise de aprovação do governo federal. Em pesquisa realizada pelo PoderData entre 28 e 30 de setembro, entre os brasileiros que receberam ou aguardam o auxílio emergencial, a aprovação do governo é de 59%, aumento de 4 pontos percentuais em comparação à pesquisa anterior.


O agravamento da pobreza e a ampliação das já grandes desigualdades sociais em curso exigem proposições diversas da que estão sendo postas pelos poderes constituídos. Para mudarmos essa realidade, precisamos lutar por uma maior intervenção do Estado na garantia dos direitos sociais conquistados a duras penas e na efetivação de políticas sociais abrangentes.


E aqui vale trazer ao diálogo a noção de “Estado ampliado” do filósofo italiano Antonio Gramsci, em que nós, sociedade, também somos Estado e estamos na arena da disputa pela definição das políticas públicas que garantam uma vida digna e justa aos brasileiros.


*Andréa Soares é graduada em Administração de Empresas (UFC), mestranda em Planejamento de Política Públicas (Uece), atua há 27 no terceiro setor na elaboração, acompanhamento e prestação de contas de projetos socioculturais.


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