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  • João Gabriel, Mylena Gadelha

4 amigos e 1 Karim – Parte III

Nesse meio tempo, a preocupação já era maior que o normal. Você deve ter acompanhado nossos dois relatos anteriores e já deve sentir o quanto esta jornada estava sendo árdua. Chegar ao Shopping Iguatemi duas horas antes e perceber que nada estava preparado para a pré-estreia do filme só aumentou as expectativas. Então você pensa: “Minha nossa, ainda estava muito cedo! Que desespero!”. Releve, a preocupação era maior que todos nós. Mas, deixando tudo isso de lado, já estávamos prontos para revisar as perguntas e nos prepararmos, de fato, para a entrevista. Entre perguntas revisadas e algumas jogadas fora, a movimentação no cinema era grande e já esperávamos pelo momento final desta saga, mas claro que com um final “feliz”. Chegada a hora da recepção de Karim e Wagner, já estávamos aguardando na área reservada para a imprensa. Observar Karim Aïnouz se aproximando para a nossa tão esperada entrevista só fez a euforia aumentar.

Agora, imagine o momento em que conversamos com Karim Aïnouz e perguntamos tudo o que podemos em relação ao filme. É chegado esse momento! Tudo fluiu naturalmente e o diretor de Praia do Futuro se mostrou mais do que acessível para discutir os pontos mais importantes de seu filme. Confira agora:

LIGA – O filme “O abismo Prateado” e “Praia do Futuro” (dirigidos por Karim Aïnouz) são muito parecidos, e o que nos chamou atenção foi a questão da utilização do silêncio e dos sons ambiente, evidenciando os poucos diálogos presentes no filme. Em entrevista, você contou que o roteiro de “O Abismo Prateado” era “bem falado” e que acabou decidindo cortar estes diálogos. E no “Praia do Futuro” o processo foi natural ou pensado desde o início?

Karim – Pessoalmente, eu sou muito do pensamento de que a matéria prima do cinema é som e imagem. E som não quer dizer fala, quer dizer som, quer dizer ambiente sonoro. E a imagem, eu acho que a imagem do cinema tem que te transportar pra um lugar, tem que ter algo de poético na imagem, e eu acho que no som também. Às vezes é tão bonito quando tem uma coisa do olhar no cinema, que eu acho que nenhuma outra mídia consegue traduzir de maneira tão sublime quanto o cinema. Eu aposto muito nisso mais do que eu aposto na fala. Eu acho que quando se aposta nisso se aposta em clima, em situação. Tem uma coisa que eu sempre tento trabalhar nos filmes que é com o som que está fora de quadro, com o que você não está vendo, mas que de alguma maneira torna a imagem magnética. Eu sempre tento trabalhar mais com isso e com presença dos personagens mais do que com o diálogo necessariamente. Não é que eu filmo sem diálogo o tempo inteiro. Eu acho que é importante você ter o diálogo na mão para na hora da montagem ver se precisa ou não. Aí você vai depurando isso até chegar em um lugar que é o lugar do cinema mesmo.

LIGA – Anteriormente, muitos de seus filmes foram centrados em personagens femininas, e agora os protagonistas são masculinos. Porque aconteceu essa mudança em Praia do Futuro?

Karim – Só tem homem! (risos). Porque já fazia muito tempo, eu acho que quando você faz um trabalho, quando você é artista, você tem que se desafiar o tempo inteiro, senão você entra em uma zona de conforto, que eu acho que é a pior coisa para um artista. Que aí fica tudo meio que “você já conhece”, você não se arrisca e eu acho que a arte é feita de riscos. Em “O Céu de Suely” eu quis falar de um personagem feminino e depois eu fui fazer uma série na HBO em que o protagonista deveria ser um personagem feminino. Depois eu fiz “O Abismo Prateado” e comecei a ter uma curiosidade por um outro universo. “Ah você fala tão bem dos personagens femininos!”. Eu falo bem de um monte de coisa, sou curioso sobre um monte de coisa. E nesse filme eu quis dar um mergulho em um outro lugar que é o universo do masculino, do herói, do covarde, dos caras que não falam muito, o universo da ação. Eu acho que são elementos tão fortes no cinema, então eu tinha uma vontade de mexer com coisas que eu não tinha mexido antes. Esse filme tem dublê, tem acidente, tem afogamento e são umas coisas “meio de macho”. Os outros filmes tinham uma delicadeza. Então, era uma necessidade minha de adentrar em um universo novo para mim.

LIGA – Isso mudou muito a construção do roteiro?

Karim – Muda, por exemplo, a gente tava falando antes da questão da fala e eu queria muito um filme em que personagens não conseguissem dizer o que eles sentem. Tem uma coisa do masculino, uma falta de articulação emocional, isso tudo que influenciou na própria produção. Ao mesmo tempo que ele(Praia do Futuro) é um filme contemplativo, é um filme que tem muita ação. Então a confecção da ação é difícil no cinema, você tem que ter dublê, tem que ter três câmeras, tem que ter duas câmeras, então tinha uma coisa da própria complexidade da confecção do filme que é muito diferente.

LIGA – Sobre a participação dos profissionais locais na produção dos bastidores. Você estimula muito isso, não é? Existe esse curso que você promove no Dragão do Mar…

Karim – É, a gente tá nesse laboratório super bacana, que é um laboratório de narrativas audiovisuais lá no Dragão do Mar. Eu acho que é um pouco o papel da gente. Eu venho de uma geração em que isso acontecia muito pouco, a gente dividia muito pouco as coisas, dividíamos muito pouco a experiência. Eu achava que era importante mudar o tom disso. Parte do meu desejo, por exemplo, de estar fazendo esse trabalho de consultoria lá no Dragão, é de conhecer esses talentos novos e de dividir um pouco a experiência que eu tive. Faz 25 anos que eu faço isso, então eu acho que era bacana, eu acho que generosidade nunca faz mal. A outra coisa que eu acho que era importante é não só na questão do treinamento, mas da própria atividade profissional mesmo. A gente tentou atrair o maior número de pessoas possíveis que pudessem estar próximas da gente, com os quais a gente pudesse, não ensinar, mas compartilhar um pouco do que a gente aprendeu nos outros filmes. É importante dividir essa experiência. Se eu morrer amanhã, vai ter sido bacana que eu tenha dividido isso com alguém, não é? Então foi um pouco nesse sentido que a gente pensou na hora da produção do filme.

Conseguimos! Cumprimos a nossa missão com êxito e muita felicidade! Além de tudo, não podíamos perder a oportunidade de elogiar o filme. Em resposta, Karim disse: “É isso que importa, não é?”. A satisfação não podia ser maior. Assim, a sensação de objetivo alcançado veio quase imediatamente. Digo, quase!

Relatos extras sobre o filme não eram esperados, mas surgiram como um presente. Saímos andando pelo cinema do shopping, e ao encontrar Edmilson Filho e Halder Gomes, ator e diretor do filme Cine Holliúdy, respectivamente, não poderíamos deixar de perguntar sobre as expectativas a respeito de Praia do Futuro. “A expectativa é muito grande, porque é mais uma produção cearense, e é sempre muito bom prestigiar os amigos”, disse Halder. Aí sim a nossa sensação de satisfação plena foi alcançada.

Ufa! Um dia e tanto para quatro estudantes de jornalismo! Desde o momento da concepção da entrevista até a formulação deste texto tínhamos a mais absoluta certeza do quanto este relato era importante. O momento em que você descobre que realmente ama aquilo que faz, é muito bonito, mas não é feito somente de coisas maravilhosas. O trabalho em equipe não é um dos mais fáceis do mundo, mas é com certeza, um dos mais gratificantes.

É com esta parte final do relato que deixamos o recado de que Praia do Futuro, uma co-produção Brasil-Alemanha, estreia nos cinemas brasileiros neste dia 15 de maio. Deixamos por aqui algumas das impressões sobre o filme e algumas das sensações que esse dia nos proporcionou. Esperamos que você tenha aproveitado o relato e que tenha a oportunidade de assistir ao filme. Até a próxima!

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