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O abismo da educação: como os cortes de verbas para o CNPq afetaram as pesquisas em comunicação

Em meio a todos os processos de retrocesso do contexto atual, a crise programada na educação brasileira demonstra passos cada vez maiores sendo dados em direção ao fim da pesquisa científica.



Criador: DANIEL RAMALHO  |  Crédito: AFP/Getty Images
Criador: DANIEL RAMALHO | Crédito: AFP

A educação e a pesquisa brasileira sobrevivem por aparelhos no atual (des)governo. É cada vez mais nítida a falta de incentivo para essas áreas tão importantes no desenvolvimento de um país, e um reflexo disso são os cortes de verbas para o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Com ações dessa espécie, várias áreas do conhecimento são afetadas, inclusive a da comunicação.


Em um mandato presidencial marcado pelo negacionismo não é de se espantar tamanha desvalorização da pesquisa. Com ataques à ciência, imprensa e até mesmo às universidades públicas, fica escancarado o desmerecimento do presidente aos fatos e avanços científicos, que já receberam o carinhoso apelido de "Balbúrdia".


Ao mesmo tempo, o contexto pandêmico acentuou os desfalques da educação, tanto no nível básico, quanto no nível superior. Se as Universidades Federais sofrem com a falta de dinheiro até mesmo para despesas básicas, como água e luz, o que falar das áreas de pesquisa? A crise na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), uma das maiores e mais renomadas do país, é um exemplo da grave situação em que as instituições públicas estão submetidas. Com as taxas de participação nos vestibulares decrescendo, é perceptível que entrar na Universidade e no campo de pesquisa está se tornando algo distante da realidade dos brasileiros, e a falta de investimentos afasta ainda mais a participação dos indivíduos da construção de saberes científicos. Visto que a educação é um dos direitos primordiais na Constituição de 1988, o atual sucateamento da área configura, além de uma grave quebra constitucional, o rompimento de um contrato social que precisa ser assegurado, principalmente em um país científica e economicamente atrasado como o Brasil.


Enquanto as desvantagens dos cortes no CNPq podem, a princípio, ser imperceptíveis para uma parcela do povo, para muitos outros o impacto dessa contenção financeira é explícito, uma vez que dependem de bolsas remuneradas para continuar com seus trabalhos de pesquisa. Contudo, muitas pessoas não valorizam, nem reconhecem, as melhorias que os tantos estudos podem provocar em suas vidas, e o quanto são fundamentais para a evolução de diversas áreas. Cortar verbas na pesquisa é reduzir oportunidades de transformação.


Com pouco mais de cinquenta programas de pós-graduação em Comunicação no Brasil, os profissionais temem a redução do número de pesquisas na área, especialmente em programas que foram criados recentemente ou que não estão localizados nos grandes centros de pesquisa do país, já que recebem menos investimentos do Governo Federal.


Em contrapartida, o campo da Comunicação é de extrema importância para o progresso do Brasil. Como apresentado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, o direito à comunicação é um direito fundamental, por isso deve ser valorizado por ações governamentais. Na pandemia, ficou nítido o valor que a comunicação tem para uma sociedade democrática, principalmente em uma realidade sobrecarregada de desinformação e notícias falsas. Mais do que nunca, a comunicação é identificada como ferramenta de progresso, o que faz com que a pesquisa seja necessária nessa área do conhecimento.


Apagão na pesquisa


No último dia 7 de outubro o Ministério da Economia enviou um ofício direcionando ao Congresso Nacional solicitando alterações no Projeto de Lei 16/2021, que destinava cerca de R$ 690 milhões de reais para o Ministério da Economia, sendo 95% desse recurso pertencente ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), que já conta com valores contingenciados pelo governo. O ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, criticou nas redes sociais a decisão do governo, o que chamou de “falta de consideração”.


Com o novo texto, restou ao Ministério da Ciência e Tecnologia apenas R$ 89,8 milhões de reais, embora grande parte do recurso (R$ 82,5 milhões) seja destinada à política nuclear, com a produção de radiofármacos e radioisótopos, que chegou a ficar 12 dias inativa no fim de setembro e estava ameaçada novamente de paralisação por falta de recursos. Do valor original, R$ 252 milhões foram para o Ministério do Desenvolvimento regional, R$ 120 milhões para o Ministério da Agricultura, R$ 100 milhões para o Ministério das Comunicações, R$ 50 milhões para o Ministério da Educação, R$ 50 milhões para o Ministério da Saúde e R$ 28 milhões para o Ministério da Cidadania.


A medida tomada pelo Ministério da Economia é considerada ilegal e inconstitucional por parte da comunidade científica, como revelado pelo Jornal da USP. Isso porque os recursos do FNDCT devem ser destinados exclusivamente ao investimento em ciência, tecnologia e inovação. Além disso, o Congresso Nacional também aprovou uma Lei Complementar (LC 177/2021) que proíbe o contingenciamento de recursos no FNDCT. Embora 87% da verba tenha sido contingenciada, o deputado Izalci Lucas (PSDB-DF), presidente da Frente Parlamentar de Ciência e Tecnologia, afirmou em depoimento ao g1 que o governo prometeu repor os recursos, e caso isso não aconteça, textos em tramitação podem ser votados para destinação de verbas no setor.


A estratégia do governo, bem-sucedida, foi pensada para manter o contingenciamento. Segundo o Jornal da USP, o governo Bolsonaro chegou a vetar a LC 117/2021, mas o veto foi derrubado pelo Congresso, no entanto, o Ministério da Economia postergou a aprovação do novo decreto, que só foi feito após a votação da lei Orçamentária Anual de 2021, abrindo uma brecha para a aplicação da LC 177 no orçamento deste ano. De acordo com a apuração do jornal, cerca de R$ 2 bilhões de reais seguem contingenciados no FNDCT e sem perspectiva de liberação. Ainda há outro problema: os recursos destinados até agora que não foram utilizados serão recolhidos de volta ao Tesouro, sem caráter de acumulação para o orçamento de 2022.


Outro episódio que reflete as consequências da falta de verba e o desmonte da pesquisa brasileira é o que ficou conhecido como "apagão do CNPq". Trata-se da indisponibilidade de diversas plataformas, como Currículo Lattes, Diretório de Grupos de Pesquisa, Diretório de Instituições, entre outros, ocorrido em julho de 2021. Essas plataformas são espaços que reúnem a trajetória acadêmica de pesquisadores brasileiros, servindo como uma espécie de "LinkedIn dos cientistas". Os sintomas da desvalorização da ciência ficam explícitos com esse acontecimento, já que pode ter prejudicado diversos pesquisadores que buscam se candidatar em projetos de iniciação científica, mestrado ou doutorado. Não existiu diligência por parte do governo, que deixou, negligentemente, esses meios ficarem fora do ar.


Entidades como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG) repudiaram o corte feito pelo governo, especialmente em um momento que tanto se precisa de avanços no campo das ciências. Para fazer uma triste alegoria, a ciência brasileira e o CNPq encontram-se na UTI, uma vez que o orçamento desse último foi cerca de R$ 1,21 bilhão de reais em 2021, pouco mais da metade do orçamento de 2000, sendo, portanto, o menor do século XXI, como revelado pelo Poder 360.


Mas nem só na ciência o Brasil deixou de investir. A educação básica é um dos pilares na formação de futuros profissionais e impacta diretamente no acesso às Universidades e no domínio dos conhecimentos gerais. Enquanto a maioria dos países investiu na contratação de professores e auxílios a estudantes, o Brasil foi um dos poucos que não seguiu a mesma linha. Segundo a Folha o governo deixou parado um projeto de R$ 220 milhões de reais que levaria internet às escolas públicas.


Comunicação na mira do desinvestimento


O Brasil possui cerca de 50 programas de pós-graduação na área do Comunicação, espalhados entre as universidades públicas e privadas de todos os estados. Com todos os cortes realizados, muitos estudantes e professores encontram-se num cenário pessimista, sem perspectiva de futuro.


Para a professora Roseli Figaro, presidenta da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação (Compós), o investimento em ciência e tecnologia caiu muito nos últimos cinco anos, especialmente a partir do governo Bolsonaro. Para ela, parte do problema é que os recursos destinados à ciência não são considerados investimentos, mas sim gastos, e que “cortar recursos para a área de ciência é cortar a possibilidade do futuro do país, do futuro dos jovens, do futuro das crianças, e isso fica muito claro quando nós temos situações de emergência, como está sendo a situação da pandemia”.


Com o contingenciamento de gastos do FNDCT e os sucessivos desinvestimentos nas instituições de financiamento, como o CNPq e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), entidades e pesquisadores veem a produção de pesquisa e ciência no Brasil minguar. De acordo com Ana Regina Rêgo, integrante da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), estudos da SBPC voltados à Pós-Graduação apontavam para um “encolhimento do sistema de Pós-Graduação do país, sobretudo dos programas nota 3 e 4, os quais possuem um PROAP ínfimo e não ofertam bolsas aos discentes”. O PROAP é o Programa de Apoio à Pós-Graduação e também tem sofrido cortes drásticos.


Os comunicadores também sofrem com a "plataformização do Jornalismo", caracterizada pelas condições de trabalho mais precárias, influenciando a qualidade das pesquisas na área da comunicação. Segundo Roseli, “outra coisa é o jornalismo que se faz dentro das condições que se tem de precarização total do trabalho. Dentro dessas condições de pejotização e agora de plataformização do jornalismo, alguns chamam de uberização, as condições de trabalho são muito precárias, com muitas horas de trabalho, muitas responsabilidades, nenhum salário, e muitas vezes trabalho voluntário. Que qualidade de jornalismo pode ser feita aí?”

De acordo com ela, "se os cortes em ciência prejudicam quem está pesquisando, óbvio que prejudicam todo o setor da comunicação, pois nós teremos certamente mais dificuldade para formar pessoas com qualidade, e isso vai incidir no produto final dentro dessa conjuntura." Ou seja, é um ciclo vicioso onde um problema agrava o outro.


Com o corte de recursos do FNDCT, Ana Regina Rêgo avalia que muitos pesquisadores, grupos de pesquisa e projetos que buscam auxílio provavelmente não serão atendidos pelos editais de financiamento de pesquisa. Toda essa situação joga os pesquisadores à própria sorte, em rotinas de trabalho cada vez mais extensas e sem renda para a continuidade de suas pesquisas. Marina Solon, pesquisadora e doutoranda em Comunicação pela Universidade Federal do Ceará, enfrenta muitas intempéries no atual, e infeliz, cenário. Segundo ela, fazer uma pesquisa de doutorado sem bolsa obriga a busca por outras fontes de renda, o que tira o foco e o tempo que poderia destinar à produção acadêmica, além de precisar tirar do próprio bolso valores para adquirir livros e participar de congressos onde circularia as suas publicações. “Para que continue fazendo tudo isso que envolve a pesquisa, tenho que fazer paralelo com outros trabalhos, dividindo meu tempo, energia, atenção. É muito penoso inclusive emocionalmente. Desvaloriza a atividade do pesquisador, impõe uma precarização do trabalho, fora a sobrecarga emocional desse contexto de incerteza”, completa.


Por toda essa situação, não é difícil encontrar estudantes e pesquisadores que foram embora do Brasil em busca de oportunidades e financiamento de pesquisas inviabilizadas no país. É comum o jargão entre os pesquisadores de que o melhor caminho pra ser pesquisador no Brasil é o do aeroporto, e isso tem se tornado algo cada vez mais comum. O fenômeno, conhecido como fuga de cérebros, ocorre quando pessoas qualificadas na sua área migram do seu país de origem para regiões mais ricas e com mais oportunidades. Isso não só abre um buraco no desenvolvimento da ciência nacional, como também significa uma perda de recursos financeiros e de pessoal, já que essas pessoas estudaram nas universidades brasileiras e receberam investimentos do próprio governo (no caso das universidades públicas). Toda essa formação se perde quando o profissional vai embora, sem data de retorno. O cenário é preocupante, sobretudo quando se percebe a quantidade de conhecimento que poderia estar sendo utilizada para o benefício da sociedade brasileira, mas que, por falta de investimento, vai parar nas mãos de outros países.


Apesar do número de pesquisadores no Brasil ter aumentado 11%, como aponta o censo do Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil de 2016, os investimentos governamentais decrescem. Isso mostra que cresceu a demanda, mas diminuiu a oferta. Como pontuado por Roseli, "o corte de verbas é um aspecto de uma política mais geral, de uma política econômica e pública de redução do estado, de uma compressão do que é envolvimento e quem tem que se desenvolver." Ela continua com a tese de que "nós estamos em uma mudança de infraestrutura que coloca o Brasil em 1500 de novo, que coloca o Brasil na era colonial novamente".


Na Era atual, a comunicação é rainha. O que ocasiona, portanto, esse retrocesso da ciência, pesquisa e comunicação no Brasil? A quem interessa essa quebra tão grave no contrato social, que priva e dificulta o fazer pesquisador e científico no país? Para Ana Regina Rêgo, “isso faz parte de um projeto bastante pensado. Diferente do que pensávamos, o governo federal tem, sim, um projeto bastante pensado de desconstrução da nação nos moldes como vinha sendo construído nas duas últimas décadas, que, a partir de 2016, mas sobretudo de 2019, vem sofrendo ataques diários”. Entretanto, enquanto houver informação, haverá resistência. Nos últimos anos, as pessoas que entraram na universidade têm conseguido mudar o seu entorno. Agora, é hora de expandir esse entorno a uma nação que precisa, urgentemente, da intervenção do seu povo.








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