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  • Helena Barbosa

Mulheres dizem "não"

Como todo dia, as notícias me contam histórias sobre alguma mulher que foi oprimida. No ônibus, alguém passou a mão no seu corpo e ela fingiu que não era nada. Não vou gritar, pensou. Vão me taxar de louca. No namoro, ela foi proibida de usar aquela saia, mas aceitou porque alguém disse que ciúmes era prova de amor. No trabalho, o patrão rouba suas ideias e as cita no palanque. Ela escuta o discurso com nó na garganta, porém dissimula um sorriso educado e se junta a multidão que o aplaude. No casamento, ela ganha um hematoma e se esforça para maquiá-lo. Nutre a esperança que ele não vai mais surgir no seu corpo pelas mãos de quem ela ama.

No Ceará, mais de 10 mil mulheres foram vítimas de violência doméstica neste ano. No Brasil, mesmo com ensino superior, as mulheres exercem o mesmo cargo dos homens e recebem apenas 75% do valor do salário deles. Temos tripla jornada: trabalho, estudo, família. Em casa, após o longo dia, o lar ainda espera uma limpeza e as crianças, um jantar. Dormimos com o uniforme do trabalho, balançando o bebê numa rede.

Há mais de 5,5 milhões de crianças com registro sem nome do pai. Nós parimos o mundo enquanto o homem pratica o abandono paterno. É a mãe que amamenta, enquanto a avó no quintal estende as fraldas para quarar. O machismo estrutural desenha para nós o mundo violento que insiste em nos calar, mas não queremos mais oferecer a outra face.

Ilustração: Renata Nolasco (@atxnolasco)

Mulheres que produzem ideias estão abrindo caminho no mundo patriarcal.

Ela já grita para o agressor do ônibus.

Ela se forma na Universidade e lê seu próprio discurso.

Ela se junta com mais de 3 milhões de mulheres, ocupa as ruas e grita #elenao.

Somos muitas Marielles. E mesmo em frente a devasta insistência de engaiolar nossa liberdade, enchemos os pulmões, apertamos os dentes e protestamos contra toda opressão.

Estamos grávidas de um mundo novo.

Dia 29 de setembro, na brisa do mar, sob o pôr-do-sol alaranjado e com as bênçãos da índia Iracema, nós, mulheres, provocaremos um novo amanhecer.

 

* Helena Barbosa é cientista social, gestora cultural, militante e mãe.

** Este artigo foi publicado nesta quinta-feira (27) na versão impressa do Jornal O Povo.

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