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  • Foto do escritorNicole Giffoni

Um desempenho de excelência esbarra em holofotes desligados


Não é novidade que, no Brasil, a inclusão é mais falada do que praticada, e tratando-se dos deficientes físicos as coisas são ainda mais complicadas. Capacitismo, falta de investimentos e de visibilidade compõem, juntos, um discurso que se limita ao campo teórico, e os jogos paralímpicos estão aí para provar isso. Com a grande repercussão das Olimpíadas, era de se esperar que as Paralimpíadas recebessem a mesma atenção. Contudo, isso não aconteceu. A falta de incentivos e de cobertura revela que nem um evento que acontece de 4 em 4 anos é suficiente para que a inclusão seja praticada, quiçá, priorizada.


O Brasil se despediu das Paralimpíadas de Tóquio com a marca de 72 medalhas, sendo 22 de ouro, 20 de prata e 30 de bronze, situado na 7ª colocação no quadro geral. Trata-se da melhor participação brasileira na história na competição. Infelizmente, isso não foi suficiente para que a repercussão alcançasse a das Olimpíadas. Aparentemente, com o início dos novos jogos, os posts nas redes sociais comemorando as vitórias dos atletas brasileiros acabaram junto com as Olimpíadas e as noites viradas para acompanhar as competições já não valiam mais a pena.


Nas modalidades olímpicas, as redes sociais dos próprios internautas eram inundadas de publicações enaltecendo o desempenho dos atletas. Entretanto, durante os Jogos Paralímpicos, não se via nos stories o rosto de Mariana D’Andrea ou Alana Maldonado, por exemplo, nem postagens comemorando o fato de elas serem as primeiras mulheres a conquistarem o ouro paralímpico em suas modalidades: halterofilismo e judô, respectivamente. Em seu Instagram a criadora de conteúdo digital e palestrante sobre acessibilidade e representatividade, Ana Clara Moniz, PCD por causa de uma doença neuromuscular questiona:


Ana Clara Moniz, criadora de conteúdo

"Se o Brasil tem um resultado tão bom nas Paralimpíadas, por que elas não têm tanta visibilidade quanto as Olimpíadas? Por que não paramos o país para os jogos Paralímpicos assim como para os olímpicos? Será que é porque se trata de pessoas com deficiência? O esporte fica menos interessante?"






Além disso, apesar de já ter passado por avanços significativos, a cobertura das competições paralímpicas ainda é restrita. A transmissão oficial ocorreu pela TV Brasil, porém dentre as outras emissoras esportivas, que durante as Olimpíadas mobilizaram todos os seus canais para o compartilhamento dos jogos, apenas um canal foi destinado à transmissão das Paralimpíadas. O tempo televisionado, 100 horas na SporTV, por exemplo, também se manteve inferior em relação ao das Olimpíadas, as quais tinham seus jogos transmitidos e assistidos o dia inteiro, com direito a mudanças nas programações das emissoras. O que se pôde notar é que aos atletas paralímpicos foram reservadas apenas algumas notícias, muitas vezes permeadas de capacitismo, que transformaram suas vitórias num discurso de superação, quando na verdade foram resultado de dedicação e treino, assim como qualquer outra vitória no esporte brasileiro. Em seu Instagram, Ana Clara declarou: “ ‘Eu com dois braços e duas pernas não consigo fazer o que eles fazem’ , ‘Que exemplo de superação!!!’ Eu tenho certeza que acompanhando as Paralimpíadas você já ouviu outros comentários como esses. Mas nas Olimpíadas... cadê?

Nós podemos, sim, sermos exemplos de superação, mas não somos só isso. Os atletas PCDs fazem o que você não faz porque eles são de alto nível e treinam sei lá quantos dias por semana pra isso, você não.

Diante disso, o que esperar de uma sociedade que nem de quatro em quatro anos sustenta seu discurso de inclusão? E, quando o faz, assistindo e comentando os jogos, se utiliza de uma visão de piedade e capacitismo? Se quisermos a mudança aguardada por tantas décadas, precisamos começar cuidando dos nossos, pois não há revolução sem um povo unido, e isso inclui acabar com a injusta e hipócrita diferença de engajamento entre Olimpíadas e Paralimpíadas. Dar uma igual visibilidade aos Jogos Paralímpicos é garantir que os (as) atletas sejam vistos (as) pela sua capacidade técnica, para além das coberturas capacitistas. É demonstrar que as mídias, convencionais ou não, estão preparadas para construir conteúdos e transmissões inclusivas, mas principalmente, garantir que pessoas com deficiência possam se ver representadas em espaços não antes vistos, e ampliar cada vez mais esses espaços.


Ana Clara finaliza: ‘’Quando for torcer, torça como nas Olimpíadas, mas por tudo o que somos também. Pela visibilidade que não temos, pelas minorias dentro das deficiências, pelas nossas mulheres que, se no esporte olímpico são invisibilizadas, imagine no esporte paralímpico. Acorde para torcer por nós e não esqueça de deixar seu capacitismo dormindo’’. Já é hora de se extinguir o discurso hipócrita da inclusão que na prática, pelo visto, não funciona, e envolver toda a sociedade em uma integração efetiva, a qual não se resuma a discursos bonitos enquanto negligencia o apoio às conquistas dos paratletas, advindas de muito esforço e suor, tal qual com os atletas olímpicos. Do que adianta movimentar uma revolução por um país melhor, quando não somos nem capazes de defender os nossos e entender a diversidade do nosso povo? O que esperar do interesse de um país onde o próprio Ministro da Educação afirma que a inclusão de pessoas com deficiência nas escolas atrapalha os demais alunos? Até quando deixaremos parte das nossas pessoas serem tratadas assim? Somos um só povo. E fora das Olimpíadas, você torce?


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