De acordo com dados da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), a agricultura familiar produz 80% da comida do mundo. No Brasil, esta proporção é semelhante. Segundo o Censo Agropecuário de 2006, a atividade constitui a base econômica de 90% dos municípios brasileiros com até 20 mil habitantes; responde por 35% do produto interno bruto nacional e absorve 40% da população economicamente ativa do país.
Criado em 1999, o Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA) foi extinto em 2016 no governo Temer. Através deste órgão, foram desenvolvidos diversos projetos voltados ao desenvolvimento da agricultura familiar, como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), o Mais Alimentos e o Crédito-Safra, focados principalmente no financiamento dos pequenos agricultores, mas também oferecendo assistência técnica e garantia de escoamento da produção.
Após a extinção do MDA, as atribuições do órgão foram passadas ao Ministério do Desenvolvimento Social (MDS). No governo Bolsonaro, após várias defesas ao agronegócio e ameaças de fundir os ministérios da agricultura e meio ambiente, a agricultura familiar agora é responsabilidade do Ministério da Agricultura. Mas quais são as problemáticas em torno desta mudança?
Em primeiro lugar, o foco do governo e especialmente da própria ministra da pasta, Tereza Cristina, é o agronegócio. No seu perfil no site do planalto, além de citada como deputada e empresária, o texto explicita que Tereza “dedicou seu primeiro mandato [como deputada] à defesa de propostas voltadas ao desenvolvimento do agronegócio no Brasil”. Ela faz parte da bancada ruralista na câmara e foi inclusive indicada pelo grupo para o cargo atual. Se há um foco no agronegócio, a agricultura familiar é deixada em segundo plano.
Essa escolha poderia ser julgada por aspectos econômicos, já que o agronegócio gera grandes lucros por ser uma cultura voltada especialmente para a exportação em larga escala. No entanto, nos últimos meses, o Brasil tem perdido espaço na venda dos gêneros agropecuários antes mais exportados como a carne bovina e a soja, justamente pelas decisões políticas que o governo tem tomado recentemente, como a ampliação de agrotóxicos.
Ano passado, Tereza Cristina foi uma das grandes defensoras do Projeto de Lei 6.299, que flexibiliza as regras para fiscalização e aplicação de agrotóxicos no país. De janeiro a maio deste ano, o governo já publicou a aprovação de 239 novos produtos agrotóxicos, contabilizando 2305 produtos desse tipo comercializados no Brasil, segundo dados da Agência Pública. Além dos riscos para os agricultores, que estão em contato direto com a terra e consequentemente os venenos, os produtos são prejudiciais para os consumidores, que comem alimentos envenenados.
Além disso, o abandono da agricultura familiar em detrimento da agronegócio voltado à exportação pode acarretar uma crise alimentar no país, já ocorrida no período colonial. É o que afirma o professor Filipe Lima, professor de economia agrícola da Universidade Federal do Ceará. De acordo com ele, quanto mais negligenciada a alimentação interna em detrimento da exportação, maior a possibilidade da falta de alimentos no país.
Muito além de investir na agricultura familiar através de concessão de créditos, sementes e máquinas agrícolas, é necessário apoiar o pequeno agricultor para que ele possa ter acesso a tecnologias e conhecimentos que melhorem sua produção, diminuindo o uso de agrotóxicos e de água. E esse apoio também deve seguir até o escoamento da produção, para que ele tenha a quem vender seus produtos. Se o governo não entender a importância da agricultura familiar, todos nós sofreremos em breve as consequências disso.