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  • Carlos Donisete

Lili cantou

Olá, sumides!

A narrativa de hoje é sobre liberdade e situação de rua. A definição de liberdade utilizada aqui é a da artista Nina Simone: “Liberdade é não sentir medo”.


Morar na rua carrega algumas características bem específicas: poder ir aonde quiser, dormir onde quiser, comer o que quiser, trabalhar onde quiser, namorar onde quiser, não ter rotina, usar a droga que quiser, formar a família que quiser... As possibilidades são inúmeras. Alguns romantizam a situação de rua, em um devaneio pré-adolescente; outros a demonizam. Ambos os discursos com o mesmo objetivo de conseguir recursos para a sobrevivência.


As regras de sociabilização (pertencimento e adequação) nas ruas são importadas das cadeias. A cidade encontra-se fatiada, algumas áreas são inacessíveis até para o poder público, quanto mais para os “meros mortais”. Os territórios para dormir são delimitados. Na praça do Ferreira, existem portas de lojas nas quais não se pode ficar, por exemplo.


Quanto à comida, há uma oferta muito boa em dias úteis. Já nos fins de semana e feriados, os equipamentos públicos não funcionam e os doadores vão descansar/passear. O que mais pega aqui é não poder escolher.


Trabalhar onde quiser dá a impressão de home office dos sonhos; é possível trabalhar com reciclagem em todos os lugares da cidade, mas os locais também estão divididos. Namorar onde quiser também não é bem assim, pois existe o conceito de ordem e decência (respeito às mulheres e crianças).


A ausência de rotina implica em estresse constante, sempre em movimentação. Os equipamentos públicos e as comunidades terapêuticas têm regras que facilitam a vida dos colaboradores, e não a do público-alvo.


Usar toda e qualquer droga que quiser: em se tratando de pessoas que fazem uso crônico, falamos, infelizmente, em morte anunciada. O caos só aumenta...

A família também requer cuidados e muitas vezes não pode ser nem revisitada. Talvez formar uma outra, quem sabe? São tantas as formas e os modelos...


Liberdade apenas no pensamento, de afeto e sentimento. Uma sociedade livre, múltipla e diversa não combina com a ordem da desigualdade, fruto da violência e da crueldade incentivadas pelo Estado. O outro é apenas uma ameaça, não temos o hábito de vivenciá-lo com acolhimento e empatia. Precisamos lembrar que liberdade individual perpassa a liberdade coletiva e vice-versa.


Quais são os teus medos? E fora dos stories, você é livre?


(*) Lili cantou: expressão usada no sistema carcerário quando a liberdade chega.


* Carlos Donisete é sociólogo e integra o Movimento Nacional de População de Rua.


** O conteúdo deste artigo de opinião é de responsabilidade de seu autor e não necessariamente reflete a linha editorial do Portal da Liga.


* Este artigo de opinião foi produzido no âmbito da Formação de Articulistas da Liga, formação oferecida a representantes de movimentos sociais pela Liga Experimental de Comunicação, projeto de extensão dos cursos de Jornalismo e de Publicidade e Propaganda da Universidade Federal do Ceará (UFC).


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